Hoje, pra dar uma variada, eu convidei meus amigos da Organização Contrafavontra de Ciências e Letras, uma facção semi-secreta e sem fins lucidativos, para me ajudar neste post temático.
Como assunto primordial teremos a Guerra. A Guerra foi declarada.
Primeiro, defino-me Guerra
Guerra não é só sangue. Pode também ser considerada tripas, ossos, órgãos e, por que não, unhas. Além de tudo, guerra implica a vontade radical de alguma coisa, seja pra bom ou pra mal. Normalmente é pra mal.
Guerra e Paz não são a mesma coisa, mas é por bem pouco. Guerra é passar o pé no filho do Zeca que tava enchendo o saco. Paz é fazer isso sem que ninguém veja. Enquanto a Guerra mata e transforma, a Paz arremata e reforma. Eu também não sei o que isso significou.
Enquanto a Guerra cria, a Paz esfria.
E já que a Guerra foi declarada, começamos já a esperar a paz.
Segundo, o Guerrear
por Rafael Viana
Até outro dia, o ato de guerrear era visto como um duelo. Sim, um duelo em magnânimas proporções, mas ainda assim um duelo. Não obstante a grande quantidade de hemácias derramadas nos campos de batalha por aí, parecia ainda haver um senso de honra, um quê de classe. Buscava-se manter um mínimo de civilidade nessas coisas.
Mas daí a própria guerra foi utilizada pra mudar essa situação bonitinha. Entre as trocas de posse do chicote do poder, o mais alto escalão do Exército mudou de Marechal pra Chief Executive Officer e a cúpula de estratégia virou Board of Directors. E a guerra, anteriormente usada pra, digamos, pegar terras da Igreja (e usando como pretexto troca de mulher), ou destruir um rival comercial (e usando como pretexto roubo de mulher), passou a ser utilizada pra pegar óleo preto dos outros, pra pisar na cabeça dos outros, e outras coisas enfadonhas.
Okay, okay, olhando em retrospecto, realmente a guerra não era muito boa antes. Mas a Medicina também não era muito boa antes, e veja só onde chegamos. O que quero dizer é que a guerra, conquanto também tenha começado a usar lasers, como a Medicina, ainda não achou um jeito de ser tão eficiente quanto aquela. Só acredito na eficiência desta quando inventarem robôs invisíveis que atravessam paredes e matam direto o líder e–
Tá, deixa pra lá. Guerra só é legal pra quem sobrevive, e olha lá. Quem aqui não sente dó das vítimas da primeira guerra, que nunca viram miojo no supermercado, nem usaram um microondas pra fazer o mesmo? Eu sinto! 😀
Terceiro, a Guerra como necessidade fisiológica
O Último (Cientista) que Sair, Apaga a Luz!
por José Guilherme, de Prypiat
A/C Investidor Moderno
Meus amigos, não precisei subir nos ombros de ninguém pra ver, até porque o que vi não estava lá tão longe. Em vez de destruir meus preciosos bastonetes, preferi usá-los para apreciar as cores todas do pão de queijo que foi trazido até minha humilde existência por nobres funcionários.
Os funcionários do Instituto, por sinal, são dignos de nota. Servem bem, são agradáveis, competentes, humanos e até desejam bom dia. Não são, definitivamente, do tipo que cospem na comida alheia e jogam uma folha de alface por cima fingindo que tudo é parte do molho especial.
Gostaria era eu de distribuir algumas cusparadas, mas não neles. Em vez disso, queria mesmo era escarrar, conceitualmente – até porque fisicamente seria de tanto impacto e tanta importância quanto um catarro lançado elipticamente* a um vaso sanitário cheio de material orgânico, vulgarmente conhecido como merda – nos pomposos arquiduques da pataquada científica.
Não gosto de criar intriga. Odeio falsidade e hipocrisia. Amo animaizinhos. Não é que eu fique reparando. Longe de mim abrir a boca pra falar mal de gente tão digna, mas, doutor, eu não me engano: quem muito fala de completeza é que não consegue completar sequer uma auto-higiene bucal na cachola do intelecto.
Vejo, aqui no Instituto, muitos títulos, mas não são os do Corinthians**. São fotos, papeis, artigos, ternos, educação solene, etiqueta – mesmo que pra fora da gola ou saltando dos fundilhos sociais -, nem parece que são pessoas com um mínimo de amor pela ciência!
Sempre que digo “eu faço física” e alguém retruca “educação física?”, sinto um estranho prazer subir por minhas pernas ao treplicar “não, física sem educação, mesmo”; é triste ver – ou melhor, não ver – certas atitudes do pessoal lá de cima.
Exemplo dado é exemplo estudado. Isso cai na prova e vai ter reposição de aula: Falta gente correndo por entre os corredores, com o cabelo em chamas, implorando por misericórdia depois de ver bem de perto a potência de um laser de estado sólido. Falta gente com jaleco em ruínas, gritando “Eureka, porra!”. Falta gente estilhaçando vidrarias com ácido, enquanto tenta se ajeitar com os óculos gigantescos de proteção. Falta gente derivando um seno ao som de Led Zeppelin, assim como falta gente integrando exponencial, desprovido de qualquer pudor, enquanto aprecia um uísque.
Falta gente que ri ao ouvir coisas do tipo “esta caveira significa pe-ri-go” ou ao ler “não tente isto em casa”. Todo mundo obedece, todo mundo fica quieto, e ninguém sai do laboratório com um arranhão, nem com mordidas, nem com um sutiã em volta da testa, nem com nada – Feynman os classificaria apenas como frouxos, mas não entraremos nesse mérito.
Além disso tudo, obviamente, falta o pilar das ciências modernas: As argumentações do tipo “minha teoria pode não fazer sentido algum pra você, mas tua mãe não reclama”, e, sobre isso, Einstein e Schroedinger podem apontar o dedo com mais propriedade que este que vos escreve.
O que quero dizer, em tons mais abstratos, meus amigos, é que parece ser bonito se esquecer de que a ciência é, sobretudo, uma tradução de como as coisas acontecem segundo as percepções meramente humanas, pautadas, sobretudo, pela conveniência de se fazer um trem de ferro, por exemplo, funcionar. Por definição, quem estuda ciência também são seres humanos. Fôssemos deuses – ou, melhor dizendo, até porque sou um rapaz de fé, se fôssemos os únicos deuses -, eu seria o primeiro ateu.
Parece pegar bem pra galera, no meio acadêmico, desde um bom tempo, omitir os próprios ímpetos. Fingir que não se tem vontade. É claro que lamber um experimento, na maior parte dos casos***, pode acarretar consequências desastrosas. Por outro lado, tratar tudo, até a ciência, com o cobertor de glamour político, com o descaso rotineiro e a falta de fúria, deixa tudo muito chato.
Deriva, deriva. Completeza, completeza. Integra, integra, duas vias, duplicata, publicação e as aulas ficam imersas no tédio. Fica mais interessante passar uma corrente por Facebook ou falar de Harry Potter no 9GAG que acompanhar a demonstração da identidade de Euler. Compreensivelmente, alguns acabam interpretando essa situação toda como se os assuntos é que fossem chatos, e não o pessoal lá de cima que fosse incompetente nesse quesito. Perde-se o interesse pelas ciências e pelas matemáticas, as quais são tão essencialmente belas quanto outras criações artísticas!
Quando se impõe que as respostas serão frustrantes, deixa-se de lado a vontade de perguntar. Juntos, de braços dados e corações a palpitar, patinamos todos na grande dança da academia, sem atrito, sem sair do lugar.
Estamos em guerra, amigos. Um sábio docente – não se engane: eles ainda existem! -, numa conversa de corredor, enquanto apreciava um cremoso café com minha pessoa, disse, com bastante propriedade: “Há muitos alunos aqui que tem dons artísticos. Há muitos alunos que escrevem, recitam, fazem música, pintam quadros, jogam videogame, assistem ao futebol domingo e ainda arranjam tempo pra destrinchar integrais e pensar sobre a composição da realidade. Há esses que conseguem ver a ciência em suas formas mais honestas e sinceras, e que não deixam de ter uma vida por causa disso… Mas não se preocupe, o Instituto haverá de continuar matando isso tudo, pouco a pouco, como há anos estamos fazendo”.
Já tá ficando chato. É hora de quebrar o tabu da completeza. É hora de xingar a mãe alheia, escrever nas paredes, dividir por zero, esfregar na cara dos bons modos e falar de teletransporte. É hora de perder o medo do absurdo.
Nós não somos computadores. Não somos médias ponderadas. Não somos artigos e não temos quarenta anos de experiência nos assuntos básicos, por enquanto. Não é razoável exigir proficiência em algo que se conhece há meio minuto. Somos, antes de tudo, seres humanos. Seres humanos que gostam de experimentar, que gostam de ver vidro quebrando, trovões sendo invocados por bobinas, fogos queimando e aquecendo a mente, ordem emergindo do caos, infinitos dividindo infinitos. Não é que todo cientista deva ser um maluco desvairado – é que os que o querem ser não precisem se trancar por dentro de ternos bem polidos e mofados.
Preparem o papel rascunho, as integrais e o DeLorean. Hoje, dividiremos por zero.
-137
*Lançamento parabólico é uma bela aproximação.
**Um abraço para o nosso amigo Doppler.
***Por outro lado, comer um experimento feito com chocolates e que permite calcular a velocidade da luz é sempre aconselhado.
Quarto, a Poesia
por Luis Misiara, o Porcacultor.
Guarde um erro ruim, rápido agora.
Gente unida e ratazanas raivosas aladas.
Gritando, úvulas esticadas ricocheteiam rifles. Ai!
Gore upsets every runner running away
Gol!! Utopia, eu realmente rio afora.
Quinto, o Desenho
Esse é meu mesmo.
Sexto, a Guerra Interna
Guerra
por Felipe Dreilick
O olhar dele fluía de uma janela a outra. “No subterrâneo é mais fácil se esconder”, talvez fosse o que sua mente dizia. Desde o início da manhã seus poros dos dedos, mãos, braços imploravam por uma gota de sangue, um naco de osso. “Já é a quinta vez”, disse uma mente que já não pertencia a ele. O Condutor, um homem respeitável que havia traído a mulher seis horas atrás, estava exausto depois da longa noite de luxúria e pronunciava os nomes das estações de um modo bem vago. Desde o início da linha, um de seus passageiros escutava atentamente cada sílaba, e sua mente devorava cada palavra em uma fornalha de ódio.
Sentou-se a seu lado um homem de meia idade. A direita. Ele, o outro, estava à esquerda, salivando sangue na janela reforçada. O cavalheiro à direita tinha uma gravata vermelha, sapatos bem engraxados, e carregava em seu braço, invisível aos outros sobre o terno brilhante, a tatuagem “Durindana”. E foi o braço carregando a espada que tocou o cavalheiro à esquerda.
As unhas fincaram na carne das mãos. Os olhos estavam tão focalizados que lacrimejaram. Todo aquele corpo esquentou de fúria. Não havia nada que impedisse aquele Golem de esquartejar toda a cidade, talvez o mundo, porque ele odiava até a mais jovem criança, o mais velho ancião. Um Office Boy, destruidor da Humanidade! “Uma compensação para o salário vago”. O pacote em sua mochila começou a amassar. Então o selo que estava peso ào pacote se rasgou. O trem parou, “Estação SSSssaaantanaa”. Disse o Condutor.
Sétimo, o Fim
Porque toda Guerra tem um fim. É um fim chorado, pesado. E todo mundo já não quer mais guerra.
O fim da guerra é quando todo mundo olha ao redor, se sente vazio por dentro, tem uma crise, e acha melhor voltar pro cotidiano. Depois pegam as sacolas, as malas, as marmitas, e saem em direção às casas. Cada um na sua, ninguém se olha, todos olham pro chão. O silêncio se impõe, só se ouve passos, o barulho das sacolas e os pássaros. Os pássaros parecem não acreditar que a guerra acabou assim, tão de repente.
E então, a vida vai voltando ao normal. Pouca gente comenta o ocorrido em público, tudo só fica “entre nós”. Os cientistas sociais, filósofos e psicólogos buscam compreender o ocorrido e fazem teses sobre isso. Os físicos, biólogos, matemáticos e químicos estão cheios de ideias novas por causa do rompimento da realidade.
Agora a vida parece andar melhor, apesar de triste e quieta, pacata. É como se ela fosse um menino chutando pedras, desanimado, mas certo de que tem andar pra sempre, chutando o máximo de pedras que der.
Agora a vida chuta pedras, mas logo logo volta a apertar uma campainha ou outra pra sair correndo e se esconder na viela.